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Entrevista: António Vitorino, diretor-geral da Organização Internacional para Migrações

Diretor-Geral da OIM, António Vitorino, em entrevista à ONU News. Imagem: YouTube / ONU News

O diretor-geral da Organização Internacional para Migrações, OIM, António Vitorino participa do Diálogo Internacional sobre Migração 2023 com destaque para mobilidade humana em apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 

 

O evento ocorre nestes 30 e 31 de março, na sede das Nações Unidas em Nova Iorque.

António Vitorino conversou com Monica Villela Grayley, da ONU News.

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ONU News: Qual é o seu recado aos países-membros sobre necessidade de mais mobilidade quando muitos ainda resistem em abrir suas fronteiras para os migrantes?

António Vitorino: As migrações são um fenômeno humano, historicamente, e vão continuar. E têm um contributo positivo tanto para as sociedades de acolhimento como para as sociedades de origem. O que é preciso é que a migração seja regular, ordeira e segura como se diz no Pacto Mundial, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Nós pensamos que a maior violação dos direitos humanos é o tráfico de seres humanos, a imigração irregular, mas para combater melhor o tráfico e a imigração irregular é preciso que haja canais de imigração regular. E os países de destino têm necessidades de mão-de-obra. Muitos deles são países envelhecidos.  E por isso é preciso combinar as capacidades e as potencialidades dos migrantes com as necessidades dos países de acolhimento.

ONU News: E como convencer os países-membros que ainda hesitam?

AV: Em primeiro lugar fazendo a advocacia sobre os benefícios da migração. Em segundo lugar: focando-nos na integração. A integração dos migrantes nas sociedades de acolhimento não é um processo fácil. É um processo que exige a vontade dos próprios imigrantes que lá estão, mas também a vontade das comunidades de acolhimento. Políticas públicas de acesso aos serviços sociais, à educação, à saúde, à proteção social, ao alojamento. São políticas exigentes. Mas são políticas que podem contribuir para o reforço da coesão social das sociedades de acolhimento, mais diversas, mas ao mesmo tempo mais solidárias.

ON: Um outro tema é a ligação entre migração e mudanças climáticas. A crise humanitária que os desastres naturais provocam gerando mais migrantes e deslocados internos. O que cada país pode fazer além, claro, de implementar mais ação climática?

AV: O que nós vemos, hoje em dia, em todo lado, em todas as geografias é que os fenômenos de desastre natural são mais frequentes e mais intensos.  Recentemente, tivemos em Moçambique, por exemplo, a tempestade tropical Freddy, que foi a de mais longa duração na história, e que atingiu as zonas terrestres duas vezes. Atingiu, saiu e depois voltou. Num espaço de poucos dias. Portanto, isto prova que há cada vez mais pessoas serem forçadas a deslocarem pelos impactos das alterações climáticas. É o que essas pessoas precisam é de duas coisas fundamentalmente. A primeira é serem apoiadas para se adaptarem às alterações climáticas. Para adaptarem as suas vidas cotidianas, as suas produções agrícolas às alterações climáticas, à falta d’água que é hoje o grande problema e construírem a sua própria resiliência para que possam permanecer, o mais possível, nas zonas de origem.
Mas a segunda questão é que quando elas são forçadas a deslocar-se  têm que ser apoiadas, assistência humanitária, quando se deslocam e sobretudo apoiadas para encontrarem soluções alternativas nos sítios aonde vão.

ON: António Vitorino, se a gente parar para pensar na história da humanidade, desde os seus primórdios, essa é uma história de pessoas em movimento, de migração. Eu gostaria de perguntar ao senhor sobre a contribuição desses migrantes para o desenvolvimento dos países que escolhem para viver. Mas por que, apesar disso, ainda se tem uma percepção de que o migrante é um fardo?

AV: Olha, em primeiro lugar: tem toda a razão.  Infelizmente, as percepções não coincidem com as realidades. As realidades são que os migrantes dão um contributo não só para o desenvolvimento dos países de acolhimento, enquanto consumidores, enquanto contribuintes, pagam taxas, pagam impostos quando a migração é regular, ordeira e segura. Mas são também inovadores, são empreendedores.
São pessoas que têm uma grande vontade de vencer num ambiente que lhes é, muitas vezes, desconhecido. Mas a percepção que eles são um fardo para as comunidades de acolhimento. Isso não é verdade, do ponto de vista da estatística, do ponto de vista dos dados econômicos. Mas obviamente, há aí sempre uma tensão identitária, que tem que ser superada, através da pedagogia e da demonstração do contributo que os migrantes dão.
Mas um outro aspecto que gostava de sublinhar. É o contributo dos migrantes para o desenvolvimento para os países de origem porque através das remessas, e há US$ 750 mil milhões de dólares por ano (ou US$ 750 bilhões na outra versão) que são transferidos pelos imigrantes. E esses US$ 750 bilhões são mais do que a Ajuda Direta ao Desenvolvimento e do que o Investimento Direto Estrangeiro nos países em desenvolvimento. Isso significa que os imigrantes são também uma fonte de desenvolvimento para os seus próprios países de origem.

ON: E uma curiosidade. Quando se é migrante trabalhando um pouco nesse país, um pouco naquele. Na hora da aposentadoria ou da reforma. Quem paga a conta?

AV: É uma bela pergunta.  Devo dizer que para isso é preciso haver acordos laborais bilaterais. Que exatamente prevê a possibilidade da transferência das contribuições acumuladas. Mas ainda são poucos.  E é preciso trabalhar mais. É preciso ampliar o número dos acordos bilaterais e sobretudo vê-los também por regiões. Acordos multilaterais, que permitam que trabalhadores de um país migrante que se concentram noutro país ou noutra região possam aproveitar as contribuições que fazem para a segurança social quando chegaram à sua idade de reform. Isso é o mínimo de dignidade que nós temos que garantir para os migrantes que trabalham, que dão o seu contributo positivo, e que depois quando chegam à idade de descansar também têm que ser protegidos.

ON: E este debate já está acontecendo, diretor-geral?

AV: Nós já iniciamos esse debate com várias regiões do mundo, temos que contar com a participação dos países, mas também das organizações regionais que têm um papel muito importante nessa matéria.

ON: E nós já poderíamos contar com algum resultado ou algum começo de progresso para os próximos anos?

AV: A nossa experiência nas Nações Unidas é que é muito perigoso comprometermos com calendários. Agora, o que eu acho é que a necessidade no terreno vai impor a necessidade de encontrar uma solução.

ON: Por último, eu gostaria que o senhor comentasse esses naufrágios, infelizmente frequentes, com migrantes na Europa e várias partes do mundo. O que está faltando? O Pacto Global, que não é vinculativo juridicamente, está sendo mal aproveitado?

AV: Eu acho que a declaração de progresso da aplicação do Pacto Mundial, que foi aprovada aqui, em Nova Iorque, em maio, do ano  passado, põe exatamente o dedo nessa ferida. E diz: É necessário que os Estados se coordenem para garantir as operações de busca e salvamento para que esses naufrágios não sucedam e para que haja previsibilidade, nos portos de desembarque, onde os migrantes, uma vez salvos, dos naufrágios ou das probabilidades do naufrágio possam ser desembarcados. Infelizmente, os números que nós vemos é que as mortes por causa do naufrágio estão a subir no Mediterrâneo. Mas também aqui no mar das Caraíbas o no Golfo de Áden. Isto significa que há uma responsabilidade de toda a comunidade internacional. Não só dos países costeiros que estão mais expostos, geograficamente, mas de toda a comunidade internacional, porque uma vida perdida é um drama.

ON: E passo às suas considerações finais nessa sua primeira entrevista à ONU News daqui do nosso estúdio.

AV: Eu diria apenas que tenho muito gosto em estar aqui, por passar a a mensagem da importância das migrações no mundo atual. Migrações regulares, ordeiras e seguras como as Nações Unidas as defendem. Mas que elas são também um instrumento de desenvolvimento no mundo. E, portanto, a minha expectativa é que certas narrativas mais negativas possam ser ultrapassadas pelas evidências pelos muitos fatos positivos ligados à migração.

ON: E que o bom exemplo prevaleça. Muito obrigada. António Vitorino.

Entrevista publicada originalmente por ONU News.