Boa Vista – Os mais de 5 mil quilômetros que separaram no Brasil Evelin, Camila e Josemiht da mãe se tornaram apenas lembrança na última semana de 2021. As três irmãs ansiavam pelo reencontro com a genitora e o abraço em família depois de quase quatro anos distantes.

A mãe das meninas, Yerika, saiu do território roraimense, por onde entrou após atravessar a fronteira com a Venezuela, para buscar oportunidades de emprego em outra cidade do Brasil e ter estrutura para receber as filhas em uma nova vida. O ingresso no mercado de trabalho ocorreu em Pinhalzinho, interior de Santa Catarina.

Com a família dividida entre o Norte e o Sul do país, as meninas ficaram sob cuidados de um responsável durante esse período, porém, o vínculo entre a pessoa cuidadora e as meninas acabou se perdendo. O Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e o seu parceiro implementador AVSI Brasil foram procurados pela cuidadora e, como medida protetiva e temporária enquanto a família ainda não havia sido identificada, elas foram encaminhadas ao abrigo institucional do Governo de Roraima para crianças desacompanhadas.

“O direito à convivência familiar e comunitária é prioridade para nós. O trabalho envolve uma busca ativa das famílias, uma avaliação psicossocial técnica para identificar as possibilidades de reunificação junto à rede de proteção, um apoio psicossocial continuado para estas crianças e em alguns casos um apoio financeiro para a sustentabilidade da reunificação. A articulação com as redes de proteção e demais organizações que atuam na resposta humanitária como a OIM, é fundamental para garantir a adaptação destas crianças em uma nova realidade”, comenta Tomás Tancredi, Oficial de Proteção à Criança e ao Adolescente do UNICEF Roraima.

No local, que tem a estrutura de uma residência, similar ao ambiente de uma casa familiar, as meninas foram recebidas pela equipe psicossocial e participaram de atividades cotidianas e educacionais. Por lá, uma das formas de diminuir a saudade, é por meio de vídeo chamadas para que o laço familiar siga sem rupturas.

“Temos parcerias com as agências e organizações para que busquem familiares das crianças desacompanhadas também apoiam com ações dentro da unidade. Ficamos felizes que elas estão em reencontro à mãe, pois apesar de estarem em um ambiente em que estão sendo cuidadas, não é o lar delas. Elas sentem falta, perguntam e ficam ansiosas para o reencontro. Quando isso ocorre, é gratificante e vale a pena todo o trabalho”, explicou a gerente de abrigo da Secretaria de Estado de Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes), Luciana Oliveira da Silva.

Após o abrigamento, o UNICEF entrou em contato com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) para localização da mãe e a entrada do processo na Estratégia de Interiorização, do Governo Federal, para que as irmãs pudessem viajar rumo a nova casa.

A análise documental significava o passo inicial na viagem, assim como o acompanhamento médico no Núcleo de Saúde (NSA) da Operação Acolhida, resposta humanitária ao fluxo venezuelano, para verificação vacinal e testagem de COVID-19. Depois disso, os dias foram contados com ansiedade por elas e pela mãe, que aproveitaria o clima natalino com as filhas por perto.

Enquanto esperavam pelo embarque, o tempo no abrigo institucional foi preenchido com desenhos. No papel em branco, a ponta do lápis formava as imagens de bonecas de mãos dadas, malas de viagem e uma casa.

De acordo com o assistente de proteção da OIM Luís Minchola, que acompanhou de perto todo o caso, o reencontro representa o apoio de todos os atores de proteção que buscam a melhor solução em situações de crianças e adolescentes desacompanhadas dentro de um contexto migratório.

“Todos estão envolvidos em levar oportunidades nos locais de destino: acesso às escolas, aos serviços de saúde e que tenham o convívio familiar garantido dentro de todos os preceitos de proteção à infância. Participar disso, como equipe de proteção, faz toda diferença ao vermos que isso transforma a vida das pessoas”, disse Minchola.

No dia 26 de dezembro, a equipe da OIM buscou Evelin, Camila e Josemiht, de 13, 10 e 8 anos, respectivamente, em um dos abrigos da SETRABES. Durante o caminho, elas não conseguiram conter a emoção enquanto assistiam a cidade de Boa Vista ficar para trás pela janela do carro. Com as malas e mochilas nas costas, entraram no saguão do Aeroporto Internacional, onde sairiam para encontrar a mãe horas depois.  

Além da revisão documental pré-embarque, a OIM apoiou com a compra de passagens e a presença de uma funcionária da organização para o acompanhar todo o trajeto até que chegassem seguras com a mãe.

“Quando vemos os resultados, as fotos e a família finalmente se reencontrando depois de tantos anos com aquele sorriso, aquela alegria de volta. Acho que esse sentimento de dever cumprido, que os esforços estão tendo um resultado e que as famílias estão novamente juntas, é o que nos faz continuar e é o que faz a gente perceber que todo trabalho em conjunto em Roraima tem muito a contribuir, está contribuindo e vai contribuir ainda mais para soluções duradouras para refugiados e migrantes que estão aqui”, completou Luís.

O REENCONTRO – Já era noite quando o abraço do reencontro aconteceu. Entre lágrimas, mãe e filhas correram para que estivessem juntas novamente. Dentro da casa nova, os cartazes improvisados com folhas de caderno estampavam os dizeres de “bem-vindas minhas princesas”, em espanhol, na parede. No sofá, os cochichos entre elas demonstravam que todo tempo separadas pareceu pouco.

“Foi uma emoção tão grande, não sei nem explicar. Foi tanto tempo longe. É muito gratificante ter minhas filhas aqui do meu lado. Meu plano para o futuro é dar muito amor a elas. Estou muito emocionada e feliz”, disse mãe Yerika.

Mãe e filhas reunidas em Pinhalzinho (SC) (c) arquivo pessoal

Confira o boletim da estratégia de interiorização de dezembro

As atividades da OIM na Estratégia de Interiorização contam com o apoio financeiro do Escritório de População, Refugiados e Migração (PRM) do Departamento de Estado dos Estados Unidos da América.